Decisão difícil
O alpinista brasileiro Bernardo Collares, de 46 anos, sofreu um acidente quando escalava o monte Fitz Roy, em El Chaltén, no sul da Argentina. Por uma falha no equipamento de rapel, ele caiu de uma altura de 20 metros, fraturou a bacia e teve uma hemorragia interna, de acordo com a alpinista que o acompanhava. Ela voltou para pedir socorro, mas levou dois dias até o povoado mais próximo.
Após análise de todo esse cenário e o tempo ruim na região, as autoridades avaliaram que as chances de sobrevivência do montanhista eram mínimas. Com a dificuldade de uma operação de resgate por causa do clima, a família compreendeu que seria melhor, portanto, deixar o corpo do brasileiro no topo do monte.
Resumida assim a história, a impressão que temos é de que esta foi uma decisão fácil. Com certeza não. Nem para as autoridades argentinas, nem para os familiares.
A médica que coordenava a operação disse que preparava uma carta explicando que a morte por hipotermia é uma das menos dolorosas e que ele está num dos lugares mais lindos do mundo para um escalador.
Li que Bernardo, antes de viajar, escreveu um bilhete dizendo: "As montanhas são uma espécie de reino mágico onde por meio de algum encantamento eu me sinto a pessoa mais feliz do mundo".
Conheci o monte Fitz Roy em abril/maio de 2008, quando fui com duas amigas, a Mônica e a Verônica, para a Patagônia argentina. Parte da nossa aventura foi acampar no Parque Nacional Los Glaciares, onde fica uma cadeia de montanhas, entre elas o Fitz Roy. O parque está localizado na cidade de El Chaltén, província de Santa Cruz, na fronteira com o Chile.
Uma das imagens marcantes, devidamente fotografada (acima), foi justamente a do pico nevado. O clima na região sempre foi ruim e considerado traiçoeiro. Quando fomos, havia neve no parque e não sabíamos se o tempo estaria melhor no dia seguinte ou não. Não sabíamos também se nevaria à noite. Dentro da barraca, o frio não me deixava dormir (mesmo com toda proteção) e minhas pernas doíam. Mesmo assim, o reflexo da lua cheia nos picos nevados compensou todo o “sofrimento”. Sentamos à noite num tronco, as três encolhidas, de braços dados, de frente para aquela imagem indescritível. E éramos só trilheiras naquele momento. Imagino a emoção de um alpinista.
Vendo de fora, é difícil imaginar qual seria minha reação à desistência do resgate se o ocorrido fosse com um irmão, um parente. Sempre acreditamos na possibilidade de um “milagre”. A companheira de escalada de Bernardo havia deixado com ele comida, bebida e um saco de dormir. Mas após cinco dias do acidente, a irmã do brasileiro e as autoridades argentinas decidiram, em acordo, apesar da melhora do clima, abortar o socorro.
Decisões.
Difíceis e necessárias.
Bernardo Collares
Mais imagens da minha aventura no Parque Nacional Los Glaciares: